Lula não pode falar nada; o outro pode falar os maiores absurdos

Por Francis Ivanovich:

Vivemos tempos realmente estranhos. O ex-presidente Lula ao ter se manifestado sobre o aborto e ter convidado os eleitores a baterem na porta dos deputados, tornou-se o maior sacrilégio do ano. Enquanto isso, o outro faz o que quer, fala o quer, e está tudo certo.

O mais surpreendente é que muitos dos eleitores do Lula, filiados ao PT ou não, ontem deram um verdadeiro chilique contra as declarações de Lula: Errou feio! Vai perder a eleição dessa maneira! Falou besteira! Deu votos pro outro! Etc.

A chamada grande imprensa reagiu como sempre, pau no Lula. Embutido nos textos a velha frase chavão, “petistas históricos condenam as declarações de Lula”. O curioso é que esses petistas históricos nunca têm nome. Algumas manchetes deram destaque a alegria que o outro lado teve, segundo a imprensa, com as declarações honestas de Lula.

Não vi ninguém, ninguém mesmo, falar sobre quem são as maiores vítimas do aborto clandestino no Brasil. São adolescentes negras, menores de 14 anos e moradoras da periferia, as que mais morrem após interrupções da gravidez realizadas de forma insegura no país.

Segundo reportagem publicada no UOL, reproduzida de conteúdo produzido pela Deutsche Welle, quando se fala em vítimas do aborto, o cenário é muito mais grave para mulheres dos chamados grupos vulneráveis.

Por causa da ilegalidade da interrupção voluntária da gravidez no país, aquelas de segmentos periféricos – negras, indígenas e moradoras de regiões distantes dos grandes centros, além de adolescentes menores de 14 anos – acabam sendo as que mais morrem devido a complicações de procedimentos clandestinos.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 55 milhões de abortos ocorreram no mundo, entre 2010 e 2014, e 45% destes foram inseguros. No Brasil, dados sobre aborto e suas complicações são incompletos.

Esta é a principal conclusão da pesquisa Aborto no Brasil. Os dados oficiais de 21/02, publicados nos Cadernos de Saúde Pública, da revista da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) confirmam o sério problema.

Por meio de coleta e análise de registros públicos do Sistema Único de Saúde (SUS), os pesquisadores Bruno Baptista Cardoso, Fernanda Morena dos Santos Barbeiro Vieira e Valeria Saraceni, da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, traçaram um perfil das brasileiras mais vulneráveis nesse cenário.

Foram cruzados registros dos Sistemas de Informação sobre Mortalidade (SIM), Nascidos Vivos (Sinasc) e Internação Hospitalar (SIH) em um intervalo de dez anos – de 2006 a 2015.

Os pesquisadores chegaram ao número de 770 óbitos maternos que foram registrados como tendo o aborto como causa oficial. Entretanto, se forem consideradas as fichas que mencionam o aborto mas apresentam outras razões de morte, o número pode saltar em 29%. Seriam, portanto, 993 vítimas em todo o período, sem levar em conta as subnotificações.

O que me espanta, é que muita gente condenou o Lula por emitir sua opinião sincera sobre um grave problema social, que foi correta, que é um problema de saúde pública, por supostamente prejudicá-lo na corrida presidencial.

Não vi ninguém se tocar da contribuição importante que ele deu para o debate sobre essa tragédia diária que atinge nossa juventude tão abandonada. O que vi ontem, por parte do eleitorado, reflete sua falta de maturidade para encarar nossas desgraças. O eleitor parece preferir mesmo ouvir sempre no palanque as mensagens políticamente corretas, perfeitas, mascarando a realidade. Por isso, deu no que deu, 2018.

Sobre a sugestão do Lula para o eleitor bater à porta dos deputados, muitos que empregam parentes, só vou lembrar de uma coisa, quem bate à porta do eleitor na época das campanhas são os políticos.

Eles entram na casa, bebem cafezinhos (quando se podia comprar café), e prometem um mundo maravilhoso. Depois de eleitos, eles nem se lembram do endereço e do eleitor, e fecham a porta dos seus confortáveis gabinetes na cara do povo, durante o mandato.

Chega de hipocrisia, infantilidade!

Estou com o Lula que fala o que sente de verdade e não abro!

Francis Ivanovich é jornalista e cineasta do terceiro mundo. (foto de Ricardo Stuckert)

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